Dinamarca: o país mais digital da União Europeia

Dando continuidade a uma série de artigos e estudos  a respeito dos países nórdicos / escandinavos / bálticos, foco agora na Dinamarca.  E sobre ela entro mais a fundo  em uma de suas grandes conquistas recentes: inclusão digital.

Claro que sempre é bom lembrar que o país sempre está bem colocado na lista dos menos corruptos do mundo, no topo dos Estados com maiores IDH do mundo, além de ter se revezado com Noruega e Finlândia, pela posição de país mais feliz do mundo.  Títulos que inspiram há décadas diversas políticas públicas por todo mundo, principalmente quando o foco é sobre saúde e educação: ambas focadas na universalidade e sua gratuidade direta de escolas e acesso a saúde, com custos cobertos pelas políticas de altos impostos do governo central.  Mas sobre esses pontos abordarei em outro artigo no futuro.

Mas antes de começar, algo que descobri pelos próprios dinamarqueses: como falei em impostos, em dinamarquês a palavra imposto/taxa é skat.  Agora o interessante é que skat também é como os dinamarqueses chamam os seus filhos pequenos, seus dependentes. Isso mesmo. O apelido carinhoso das crianças é… imposto! Pra mim, nada mais claro para entender  o respeito desse povo nórdico a esses impostos, assim como a consciência de sua importância e essencialidade para todo o sistema de welfare – que traduzimos pro português comumente de bem-estar, mas que tem mais a ver com imposto do bem ( well / bem e fare / imposto ).

Bem, então é hora de irmos pro assunto do título deste artigo.

Segundo o Digital Economy and Society Index de 2017,  Dinamarca se manteve como a líder no ranking de Economia mais Digital dentre os 28 países membros da União Europeia (ainda incluindo o Reino Unido, mas sem considerar a Noruega, Islândia e Suíça que não são membros da UE). O país já era líder no ranking de 2015 e  também venceu no de 2016.  3 anos seguidos na primeira colocação.

Dinamarca se mantém à frente dos seus vizinhos nórdicos Finlândia (2o) e Suécia (3o). No Ranking são avaliados de forma detalhada as seguintes categorias: a conectividade, o capital humano, o uso da Internet,  a integração de tecnologias digitais e os serviços públicos digitais.

Os serviços públicos digitais da Dinamarca são altamente avançados e a população é a mais preparada da UE, com 88% dos usuários de Internet dinamarqueses usando o eBanking e 82% comprando on-line. Lembra da educação universal de qualidade e pública?  Tenho certeza que ela dou a potencializar essa adoção de forma geral.

Serviços públicos estão se tornando digitais

Sempre importante lembrar que quase 35% da população economicamente ativa na Dinamarca é de funcionários públicos. Junto com a Noruega, a terra do Lego detém o primeiro lugar nesse quesito dentre os países da OCDE.  A média dos países da OCDE é de 21%. (veja estudo de 2015 a respeito na OCDE)

Mas independente deste quadro, os cidadãos dinamarqueses são hoje os mais avançados no uso da Internet na UE.

A Dinamarca está implementando gradualmente uma estratégia digital como padrão para os serviços públicos aos cidadãos usados ​​com mais frequência, aproveitando a alta porcentagem de usuários do e-Government, que é o segundo maior da UE. 71% dos usuários da Internet retornam formulários preenchidos on-line para as autoridades públicas. Nesse quesito de serviços públicos online, a Dinamarca apenas perde para a Estônia (leia o artigo que escrevi a respeito) que, no caso, foi a pioneira na Europa a dar prioridade a esses serviços digitais, como o inovador e-residency.

Crescendo atividades de lazer online

A equipe de eSports dinamarquesa Astralis vem liderando também. A equipe recentemente venceu o E-LEAGUE Major Championship no Counter-Strike.

Os dinamarqueses estão entre os usuários mais intensos na hora de assistir vídeo sob demanda e de comprar on-line.

Em 2015, 82% dos usuários de internet dinamarqueses fizeram compras on-line e quase a metade deles fez compras transfronteiriça (de outras nações da Europa). Em 2017, já eram 84%.

Os dinamarqueses também leem notícias online (72%), ouvem música, assistem filmes e jogam online (90%), obtêm conteúdo de vídeo usando suas conexões de banda larga, usam a Internet para se comunicar via voz ou videochamadas (60%) ou através de redes sociais (70%).

Vendas on-line fortes

As empresas dinamarquesas realizam 15% do seu volume de negócios em vendas online, o terceiro melhor desempenho da UE. E 25% das pequenas e médias empresas na Dinamarca vendem on-line e 9,8% vendem on-line além das fronteiras.

A adoção pelas empresas dinamarquesas de tecnologias de compartilhamento eletrônico de informações está avançando de forma muito rápida. As taxas de adoção de tecnologias de eBusiness, como e-faturas (59%) e serviços de nuvem (27%), estão entre as mais altas da UE.

Dinamarca digital

No. 1 para uso da Internet
No. 2 para serviços públicos digitais
No. 2 para integração da tecnologia digital
No. 5 para conectividade
No. 5 para capital humano

A Dinamarca recebeu uma pontuação geral de 0,71 (sendo 1,0 a pontuação máxima possível), boa o suficiente para beliscar a vizinha Noruega, que fica na Europa, mas não é membro da UE, e na Suécia.  Holanda,  Finlândia e  Bélgica também estão no top-five.

Os pesquisadores mediram a conectividade (como a banda larga é acessível), as habilidades da Internet, com que frequência os europeus usam a Internet para atividades importantes, como compras on-line e acesso a notícias, e como as tecnologias digitais e os serviços públicos digitais foram desenvolvidos em cada estado membro.

No relatório, os dinamarqueses foram elogiados por serem “os mais avançados no uso da internet”, com 91% (+3% do que o ano anterior) dos usuários de internet do país fazendo seus serviços bancários online e 84% (+2% que em 2016) fazendo compras online.

O relatório alertou, no entanto, que a Dinamarca é um dos vários países que “estão à frente” digitalmente.

Apesar da Dinamarca superar a média da UE em todas as medidas do progresso digital, ela está melhorando a uma taxa mais lenta do que a da UE como um todo.

A Dinamarca é o país com melhor desempenho na Europa, com o relatório dizendo que os residentes do país têm “uma forte propensão… a usar uma variedade de serviços” on-line.

Os dinamarqueses estão particularmente à frente quando se trata de fazer seus serviços bancários e compras on-line, mas algumas atividades on-line tiveram um pico ou diminuíram, como a leitura de notícias on-line. Em 2017, 72%, 3 a mais que em 2015, mas ainda, nesse item, a 20a colocação no ranking.

O ministro de negócios e crescimento da Dinamarca, Troels Lund Poulsen, saudou o primeiro lugar em 2016, mas também repetiu as preocupações da Comissão Européia de que nações líderes como a Dinamarca estão “atrasadas”.

“Mais de um terço das pequenas e médias empresas dinamarquesas usam apenas soluções de TI de forma limitada. A industrialização 4.0 e o crescimento digital, incluindo a utilização de novas oportunidades através de maior automação e melhor utilização de dados, serão essenciais para as empresas e residentes da Dinamarca , disse ele.

“Precisamos usar nossa posição de liderança para abraçar as novas oportunidades digitais”, acrescentou Poulsen.

Saúde Digital e a ameaça estrangeira

Copenhagen Healthtech Cluster

Uma preocupação sobre os serviços digitais relacionados à saúde  tem surgido nos últimos anos. Na Dinamarca, a telemedicina, o diagnóstico preventivo, os sensores vestíveis e uma série de novos aplicativos estão transformando a assistência médica e transferindo o ponto de atendimento do consultório para o lar.

Mas mesmo para os dinamarqueses, líderes mundiais em cuidados digitais, essa onda de inovação está causando certa ansiedade.

Gigantes da tecnologia dos EUA, incluindo Google, Apple e Amazon, estão apresentando inúmeras novas ferramentas e dispositivos de fitness, alguns dos quais dizem ser capazes de diagnosticar, tratar ou prevenir um problema de saúde. O que mesmo para um país aberto à novidades digitais, tem causado grande preocupação pelos especialistas locais sobre saúde.

Na Dinamarca, as pessoas podem acessar seus registros de saúde on-line por meio de um site nacional. Sempre que um médico, farmacêutico ou enfermeiro visualizar essas informações, o paciente é alertado por e-mail.

O país tem um modelo de saúde muito sustentável, obrigatório por lei e com muito dinheiro público por trás disso. É o que afirmou em uma entrevista Lisbeth Nielsen, diretora geral da Danish Data Data Authority.

A Dinamarca construiu um sistema computadorizado eficiente no qual os dados dos pacientes podem ser transferidos do hospital para o hospital em diferentes bancos de dados. Por outro lado, se um paciente usa os serviços das grandes empresas de tecnologia, ele é forçado a permanecer nesses sistemas ou a perder seus dados.

Se os registros de saúde de um paciente estiverem em um sistema da Apple, será difícil trocar para um smartphone com o Google Apps Android e o software de acompanhamento de saúde Google Fit. Não há uma integração, e isso é proposital, como uma estratégia de mercado de ambos os players.

Com o interesse dos pacientes em mente, o escrutínio dos insurgentes da tecnologia da saúde está se construindo na Dinamarca, como acontece em outros países da Europa. O direito aos dados é uma das muitas questões que colocam as empresas de tecnologia dos EUA no centro das atenções das autoridades europeias.

Os legisladores precisam de mais detalhes sobre os dados coletados por esses gigantes e como eles podem ser usados ​​no futuro. Não se consegue hoje saber, como no sistema dinamarquês, quem teve acesso a esses dados. Vide o que aconteceu recentemente sobre as descobertas de vazamento ou venda de informações dos usuários do Facebook para campanhas eleitorais. Apenas através de investigação e gravações foi descoberto o esquema de venda de dados de usuários.

Conquistar a liderança nos investimentos em startups?  O desafio da imigração.

Founders House em Copenhagen. Um Hub Tecnológico inaugurado em 2011

Copenhagen pode derrubar Estocolmo como o ecossistema número 1 dos países nórdicos. Todos concordam hoje que Estocolmo é o ecossistema mais maduro em comparação a Copenhagen, por causa de seus fundadores mais experientes e melhor acesso ao financiamento mas talvez isso não seja mais esculpido na pedra, uma posição definitiva.

Durante os últimos anos, vimos uma mudança positiva na Dinamarca. À medida que o ecossistema de tecnologia cresceu, os políticos começaram a nos levar a sério o investimento nesses ambientes de fomento a inovação e isso também passou a  ser notado de fora dos países nórdicos também.

Há muitos fundadores famintos e modelos de negócios criativos em Copenhagen. Todas as peças do quebra-cabeça estão lá: Talento, capital e mentalidade empreendedora.

Ainda assim, se Copenhagen quiser acompanhar Estocolmo, a cidade enfrentará dois desafios básicos; melhor acesso a financiamento em estágio inicial e facilitando a permissão de que talentos estrangeiros trabalhem na Dinamarca. (Este último é um grande problema para Estocolmo também, alguns trabalhadores de tecnologia estão saindo por causa de questões de deportação ou residência). Meninos prodígios estão tendo enormes dificuldades de residir tanto na Dinamarca quando na Suécia.

Outra conseqüência das rigorosas leis de imigração é que as startups em expansão são adquiridas por fundos de capital de risco internacionais ou transferem suas sedes da Dinamarca para países com melhor acesso a talentos.

Há uma preocupação em  fazer com que políticos dinamarqueses sejam mais favoráveis ​​a leis de imigração escaláveis ​​e focadas em talentos, para que as empresas de tecnologia de alto crescimento possam manter seus QGs nos países nórdicos.

Poucas oportunidades para financiamento em estágio inicial

O segundo desafio que executivos destacaram é o da melhora do acesso ao financiamento em estágio inicial. Na Dinamarca, parece que as startups em estágio inicial são de menor interesse para os investidores, em comparação com os demais países nórdicos. A conseqüência: startups dinamarquesas promissoras deixam o país antes de se tornarem escaláveis.

Zendesk, Skype e Unity nunca levantaram capital de risco na Dinamarca, mas fizeram sucesso nos EUA.

O  ecossistema de startups da Suécia é baseado em uma série de startups de sucesso desde os primeiros anos, mas agora Copenhagen possui um grande grupo de empreendedores com saídas para esses novos empreendimentos.

A notícia positiva é que um número crescente de fundadores está entrando novamente no cenário de startups como investidores, mentores e até mesmo empreendedores em série, trazendo conhecimento crítico para o ecossistema.

Este grupo pode ajudar novas startups e atrair investidores e alguns até reinvestem seu dinheiro de saída em startups de estágio inicial. O fundo byFounders é o exemplo mais recente e proeminente dessa tendência.

Além dos desafios das leis de imigração e do acesso ao financiamento em estágio inicial, a estrutura da sociedade dinamarquesa e os nórdicos em geral têm um efeito positivo no ecossistema de startups.

A Dinamarca tem muitos ingredientes-chave para fomentar startups unicórnio; um grande grupo de talentos altamente qualificados, um sistema de apoio que inclui assistência médica gratuita e um enfoque contínuo na igualdade de gênero.

Esses fatores, combinados com um grande foco no equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, tornam Copenhagen e o resto dos países nórdicos muito atraentes, vistos da perspectiva das pessoas.

Sobre o DESI

O Índice de Economia e Sociedade Digital (DESI) da Comissão Europeia é um índice composto que resume indicadores relevantes sobre o desempenho digital da Europa e acompanha a evolução dos estados membros da UE na competitividade digital.

O DESI mede as cinco dimensões: conectividade, capital humano, uso da Internet, integração de tecnologia digital e serviços públicos digitais.

 

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