Nova molécula reduz a agressividade do câncer pediátrico

Um inibidor de microRNA identificado por pesquisadores do Centro de Pesquisa em Genoma Humano e Células Tronco apoiado pela FAPESP reduziu o tamanho de tumores agressivos e melhorou a sobrevida em camundongos (modelo esferóide de tumor 3D mostrando células-tronco de meduloblastoma / imagem: Translational Genomics Laboratory, IB-USP)

No Brasil, cientistas afiliados ao Centro de Pesquisa em Genoma Humano e Células-Tronco (HUG-CELL) da Universidade de São Paulo (USP) identificaram uma molécula capaz de reduzir a agressividade dos tumores do sistema nervoso central embrionário. São tumores malignos que começam nas células fetais do cérebro e afetam principalmente crianças de até quatro anos de idade.

Os resultados são publicados na revista Molecular Oncology. O HUG-CELL é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (RIDCs) apoiados pela FAPESP. Sua principal pesquisadora é Mayana Zatz, professora de genética médica e humana no Instituto de Biociências (IB) da USP.

A abordagem proposta pelo grupo pode ser classificada como um tipo de terapia baseada em microRNA. Um microRNA é uma pequena molécula de RNA que não codifica proteínas, mas desempenha um papel regulador no genoma. Neste estudo, os pesquisadores usaram uma versão sintética de um inibidor do microRNA-367 (miR-367) com atividade antitumoral.

“Demonstramos em um modelo animal de um tumor do sistema nervoso central que o tratamento com um inibidor de microRNA atenua as propriedades das células-tronco tumorais e prolonga a sobrevivência”, disse Oswaldo Keith Okamoto, professor do IB-USP e principal pesquisador do estudo.

Okamoto explicou que os tumores do sistema nervoso central embrionário, como meduloblastomas e tumores teratoides / rabdoides atípicos (AT / RTs), tendem a conter células com características semelhantes às das células-tronco, o que aumenta seu potencial tumorigênico e capacidade de invadir tecidos, além de torná-los mais resistente à morte celular.

Esses tumores são causados ​​por aberrações genéticas ou epigenéticas em células-tronco e progenitores neurais quando o sistema nervoso está sendo formado durante o desenvolvimento embrionário. As células-tronco neurais que sofrem essas alterações posteriormente dão origem a células tumorais. Eles formam tumores agressivos e de rápido crescimento que podem aparecer logo após o nascimento, mais tarde na infância ou na adolescência.

Em um estudo anterior, o grupo testou uma abordagem que utilizava o vírus Zika para destruir células-tronco tumorais (leia mais em agencia.fapesp.br/27677).

Expressão e inibição

Um estudo mais recente foi conduzido por Carolini Kaid, pesquisadora de pós-doutorado no IB-USP com bolsa da FAPESP.

Pesquisas anteriores já mostraram que o OCT4A, um dos genes que codificam os fatores de pluripotência, é superexpresso em meduloblastomas agressivos e que essa superexpressão está associada a um prognóstico desfavorável. Durante a pesquisa de seu mestre, Kaid detectou a expressão do miR-367, um gene que promove características do tipo tronco em células tumorais, paralelamente à superexpressão do OCT4A (leia mais em agencia.fapesp.br/21959).

Os pesquisadores testaram um inibidor sintético específico do miR-367 contendo pequenas alterações químicas que o tornam mais estável nas células. Um pedido de patente foi apresentado para a invenção.

Depois de induzir a formação de tumores do sistema nervoso central em camundongos usando três diferentes cepas de células tumorais, os pesquisadores injetaram o inibidor de miR-367 no ventrículo lateral direito do cérebro, um caminho para o líquido cefalorraquidiano que envolve o cérebro e a medula espinhal. A partir daí, o inibidor do miR-367 foi capaz de acessar as células tumorais.

O tamanho do tumor foi reduzido consideravelmente e a sobrevida melhorou em todos os grupos de camundongos. Os resultados confirmaram o que havia sido observado anteriormente em culturas celulares.

Nesse modelo, os pesquisadores observaram que quando a molécula sintética interagia com o miR-367 nas células tumorais, impedia esse microRNA de afetar os níveis de proteínas que normalmente regula, como ITGAV e SUZ12. Sabe-se que este último está envolvido no silenciamento de genes relacionados à pluripotência em células-tronco embrionárias.

Embora o papel do ITGAV nos tumores do sistema nervoso central embrionário não seja totalmente compreendido, sabe-se que o ITGAV participa na renovação de células-tronco normais e tumorais.

“Quando o miR-367 é inibido nas células cancerígenas, ele para de regular várias proteínas. Essa alteração molecular eventualmente afeta as propriedades dessas células, resultando em uma atenuação da agressividade do tumor. É isso que torna a estratégia interessante , disse Kaid.

Os pesquisadores acreditam que, em humanos, a molécula sintética sozinha pode ser capaz de pelo menos conter o desenvolvimento desses tumores e melhorar a sobrevida. Mesmo assim, eles estão testando combinações da molécula com drogas atualmente usadas para tratar os tumores. Eles querem descobrir se as abordagens podem ser combinadas usando doses mais baixas de medicamentos quimioterápicos.

Antes que os ensaios clínicos possam ser realizados, no entanto, serão necessários estudos de farmacologia e toxicidade, assim como testes farmacocinéticos para mostrar como a molécula é metabolizada e quanto tempo permanece no organismo (sua meia-vida).

Quando os tumores do sistema nervoso central embrionário são tratados convencionalmente com cirurgia, quimioterapia e / ou radioterapia, as taxas de morbimortalidade para esses pacientes são altas. Esses tumores correspondem a 10% de todos os casos de câncer do sistema nervoso central em crianças.

Mesmo pacientes que sobrevivem mais que a maioria podem sofrer sequelas permanentes relacionadas ao tratamento que prejudicam sua qualidade de vida, como problemas de desenvolvimento, cognição, locomoção e fala.

Com informações da Molecular Oncology

O artigo “miR-367 como alvo terapêutico em células-tronco de tumores do sistema nervoso central embrionário” (doi: 10.1002 / 1878-0261.12562) de Carolini Kaid, Dione Jordan, Heloisa Maria de Siqueira Bueno, Bruno Henrique Silva Araujo e Amanda Assoni e Oswaldo Keith Okamoto podem ser lidos em febs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/1878-0261.12562

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