Exposição a pesticidas altera genes das abelhas

Um novo estudo descobriu que a exposição a certos pesticidas pode alterar os genes das abelhas, levando os pesquisadores a exigir regulamentações mais rígidas sobre os produtos químicos amplamente utilizados.

O estudo, publicado na revista Molecular Ecology, analisou o impacto de dois pesticidas neonicotinóides nas populações de abelha e descobriu que eles afetam os genes envolvidos em uma variedade de processos biológicos importantes.

“Os governos aprovaram o que achavam ser níveis ‘seguros’, mas os pesticidas intoxicam muitos polinizadores, reduzindo sua destreza, cognição e sobrevivência”, disse o principal autor do estudo, Yannick Wurm, da Escola de Ciências Biológicas e Químicas da Queen Mary, em um comunicado. “Este é um grande risco porque os polinizadores estão declinando em todo o mundo, mas são essenciais para manter a estabilidade do ecossistema e para a polinização de cultivos”.

Estudos anteriores analisaram o impacto dos neonicotinóides nos comportamentos das abelhas, mostrando que a exposição prejudicou sua capacidade de forragear e desenvolver colônias. Mas este estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade Queen Mary de Londres e do Imperial College London, enfocou como esses impactos ocorrem no nível molecular.

“Nosso trabalho revela que os pesticidas neurotóxicos não apenas atacam diretamente as células do sistema nervoso, mas também afetam indiretamente a atividade normal dos genes do organismo exposto”, disse o autor do estudo, Richard Gill, do Departamento de Ciências da Vida do Imperial College London. um comunicado de imprensa.

Os pesquisadores estudaram o impacto de concentrações realistas de dois neonicotinóides em zangões: clotianidina e imidaclopride. Eles descobriram que a clotianidina teve um efeito mais forte e que as rainhas e os trabalhadores foram impactados de forma diferente. A exposição à clotianidina alterou os níveis de atividade de 55 genes do trabalhador, tornando 31 mais ativos e o restante menos ativo.

“Isso pode indicar que seus corpos estão reorientando recursos para tentar desintoxicar, o que os pesquisadores suspeitam é o que alguns dos genes estão fazendo. Para outros genes, as mudanças poderiam representar os efeitos intermediários da intoxicação que levam ao comportamento afetado”, disse. Comunicado de imprensa de Mary explicado.

Para as rainhas, 17 genes viram seus níveis de atividade alterados, com 16 tornando-se mais ativos.

Enquanto neonicotinóides foram proibidos na UE em 2018, eles ainda são amplamente utilizados em outros lugares.

Os pesquisadores pensaram que o mecanismo do estudo poderia ser usado para avaliar o impacto específico de pesticidas em outros polinizadores.

“Examinamos os efeitos de dois pesticidas em uma espécie de abelha. Mas centenas de pesticidas são autorizados, e seus efeitos provavelmente diferem substancialmente entre as 200.000 espécies de insetos polinizadores que também incluem outras abelhas, vespas, moscas, mariposas e borboletas, “primeiro autor do estudo Dr. Joe Colgan da Queen Mary University, disse.

O estudo vem cerca de um mês depois que outro estudo alertou que populações de insetos em todo o mundo estão em grave perigo, e o uso generalizado de pesticidas é uma das principais razões.

Enquanto isso no Brasil

Ainda sem muitos estudos profundo a respeito, no Brasil já se consegue perceber a maior frequência do aumento de mortes de abelhas pelo país.

Mais de 6 mil colmeias foram perdidas no RS nos últimos meses, estima Associação dos Apicultores. Em época de produção, cenário é de prejuízo nas propriedades.

Existe a suspeita de que a mortandade esteja ligada ao uso de agrotóxicos nas lavouras. “Claro que tem outras causas de mortes, mas em 80% das análises de abelhas mortas, foi constatado algum tipo de agrotóxico presente”, afirma o tenente Edelberto Ginder, da Patrulha Ambiental da Brigada Militar de Santa Rosa.

Em pleno período de produção, o cenário é de prejuízo nas propriedades. Na de Geraldo Kasper, em Campo Novo, na Região Noroeste, das 12 colmeias, sobraram apenas duas.

“Perdemos praticamente tudo. Por mais que algumas ainda estejam vivas, certamente estão contaminadas. Vamos ter que limpar essa colmeia e eliminar toda a cera e todo o mel, que certamente está contaminado também”, conta o apicultor.

A família do apicultor Claudimir Filipetto investiu em um sistema moderno para industrializar o mel na expectativa de um dos melhores anos para a produção. Mas foi surpreendida com a perda de mais de 160 colmeias.

“Todo ano, a gente vem investindo, sempre temos dois, três, quatro funcionários. Então, agora, o que acontece? Estamos pensando até em diminuir o pessoal”, adianta.

Para esta safra, a expectativa da família era produzir 12 toneladas de mel. O volume produzido, no entanto, não deve chegar à metade do previsto.

“Para nós, foi um grande baque, grande perda. Esse ano vai ser só para repor o que foi perdido”, prevê a produtora de mel Marli Camargo.

Em janeiro deste ano, cerca de cinco milhões de abelhas são encontradas mortas em São José das Missões. O número foi registrado pela Patrulha Ambiental da Brigada Militar (Patram), mas a Emater estima que mais abelhas foram mortas.

À época, oito propriedades registraram estragos. A suspeita do Batalhão Ambiental da Brigada Militar (BABM) é de que a mortalidade tenha sido causada pela aplicação incorreta de inseticida em uma lavoura de soja.

Legislação

Três agrotóxicos são liberados a cada dois dias sob o governo Bolsonaro

Ministério da Agricultura registrou 86 novos agrotóxicos desde janeiro, uma média de 1,6 por dia.

Em dois meses de governo Bolsonaro,Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou a autorização de 86 novos produtos elaborados com agrotóxicos, em média, 1,6 por dia.

Todos os ingredientes dos novos produtos já eram comercializados no Brasil. A novidade é que eles passam a ser autorizados para uso em novas culturas, para fabricação por novas empresas ou para serem associados em combinações com outros químicos. Com isso, o Brasil chega a 2.152 produtos elaborados com agrotóxicos em circulação.

Entre eles está o glifosato, já proibido na França por seu potencial cancerígeno. A Monsanto, fabricante do produto e hoje pertencente à Bayer, foi condenada nos EUA a pagar U$ 39 milhões a DeWayne Johnson, um jardineiro foi diagnosticado com um câncer após usar a substância na escola em que trabalhava. As últimas aprovações foram divulgadas na edição de 21 de fevereiro, do Diário Oficial da União. São 29 produtos, dos quais 13 foram classificados como extremamente tóxicos – maior grau de toxicidade possível.

De 2010 a 2016, os registros foram sempre abaixo de 20 por ano. Nos dois últimos anos o número subiu para 47 (2017) e 60 (2018), recorde batido em apenas 60 dias, com as 86 novas liberações.

“Metaforicamente, estamos abrindo as portas do inferno. Em termos científicos, é uma vulnerabilização maior da saúde humana e ambiental do Brasil, em função desse aumento estratosférico na autorização de novos produtos”, comenta Larissa Mies Bombardi, geógrafa, professora da USP e autora do Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia.

Entre os pesticidas com novos registros aprovados nesta semana está o Mancozebe, usado em culturas como arroz, banana, feijão, milho e tomate. Além do Piriproxifem, indicado para café, melancia, soja e melão. Ambos estão na classe I, ou seja, são considerados extremamente tóxicos e tem seu uso indicado para produtos que fazem parte da dieta de todos os brasileiros.

Segundo a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida em nota publicada em seu site “a liberação dos 86 agrotóxicos é um fato concreto, que retribui de imediato todo o apoio do agronegócio dado [a Jair Bolsonaro] durante as eleições”.

Pacote do Veneno

O número recorde de registros acontece antes mesmo da aprovação do PL 6299/2002, conhecido como Pacote do Veneno, que pretende desregular a liberação de agrotóxicos no país. Aprovado em 2018 em comissão especial, liderada pela atual ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o projeto aguarda votação em plenário.

O PL prevê, por exemplo, que as análises para novos produtos e autorização de registros fiquem sob responsabilidade apenas do MAPA, que atualmente divide a função com a Anvisa e o Ibama. Seriam criados também um registro e autorização temporários para produtos que já sejam registrados em outros países. Além disso, a produtos com “risco aceitável” passam a ser permitidos e apenas produtos com “risco inaceitável” podem ser barrados.

“O PL do Veneno é um retrocesso muito grande na nossa Lei de Agrotóxicos de 1989, que mereceria, sim, ser modernizada. Mas a modernização deveria vir no sentido de, por exemplo, proibir agrotóxicos proibidos em outros países, proibir a pulverização aérea, que é proibida na União Europeia desde 2009 e o incentivo fiscal aos agrotóxicos”, considera Bombardi.

Para a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida “os agrotóxicos no Brasil já representam hoje um grave problema de saúde pública, e a inserção no mercado de mais produtos agravará ainda mais os perigos aos quais a população está submetida (…) os únicos beneficiados pelas liberações são as empresas detentoras dos registros, como a Monsanto, Cropchem, Syngenta e Sumitomo, e os políticos eleitos em nome dos interesses do agronegócio. A saúde da população brasileira fica, como sempre, em segundo plano.

Com informações do Ministério da Agricultura, EcoWatch, Câmara dos Deputados, Associação dos Apicultores, The Guardian, Movimento Contra os Agrotóxicos

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